fonte: http://bbel.uol.com.br/filhos/post/entenda-a-guarda-compartilhada.aspx
O que é guarda compartilhada? A primeira preocupação dos casais que se separam é com os filhos, o que eles vão sentir e como vão reagir. O sofrimento talvez seja inevitável, mas uma forma de minimizá-lo é garantindo a convivência das crianças ou adolescentes com o pai e a mãe, como eles estavam acostumados antes da separação. Para isso, o ideal é que o ex-casal compartilhe a guarda dos filhos. Mas você sabe o que é e no que implica a guarda compartilhada?
O código civil brasileiro prevê dois tipos de guarda: unilateral e compartilhada. Na unilateral um dos pais é responsável pela criança ou adolescente e o outro tem o dever de supervisionar os interesses do filho e o direito de visitá-lo conforme acordado com o detentor da guarda ou estipulado pelo juiz. No geral, são determinados encontros em finais de semana alternados, ou seja, a cada 15 dias.
Já na guarda compartilhada, a responsabilidade e o exercício de direitos e deveres em relação ao filho são do pai e da mãe em conjunto. De acordo com a advogada Sandra Regina Vilela, especialista em Direito de Família, a guarda compartilhada permite à mãe e ao pai conviverem com o filho no dia a dia e participarem ativamente de sua criação, decidindo juntos questões essenciais a sua vida, ou seja, relacionadas a saúde e educação.
Alguns pais vão além e compartilham a maioria das decisões que dizem respeito à criança. “Eu consulto o pai do meu filho para tudo, seja a possibilidade de mudar o horário na escola, comprar um brinquedo mais caro, viajar, ir a um passeio, o que fazer quando ele fica doente. Nós decidimos em comum acordo sobre tudo o que acontece, sempre vendo o que é melhor para nosso filho”, conta a consultora de Marketing Viviane Resende, que compartilha a guarda do filho de quatro anos com o ex-marido.
Sandra Vilela acredita que mãe, pai e filhos saem ganhando com a guarda compartilhada. “Para a criança é a única opção de manter um pai e uma mãe presentes. Para o pai, a oportunidade de não se sentir um mero coadjuvante na educação do filho. E para a mãe, a possibilidade de reconstruir sua vida, pois pode contar com o pai para ajudar nos cuidados e educação da criança”, afirma Vilela. Divisão do tempo.
A advogada explica que a guarda compartilhada não é uma divisão do tempo do filho de forma que ele fique 50% com cada um dos pais. Pode acontecer, mas não necessariamente a criança mora em duas casas diferentes e passa metade da semana com um e metade com o outro. Não existe uma regra fixa, os dias que o filho vai ficar com cada um são determinados de acordo com a realidade de cada família.
Viviane Resende diz que o filho passa a semana com ela e os finais de semana com o pai, mas os três costumam fazer programas juntos e o pai tem a liberdade de, por exemplo, pegar o filho para jantar durante a semana. Já o fotógrafo Evaristo Sá fica com as filhas de seis e oito anos em duas noites durante a semana e em finais de semana alternados, a menos que esteja viajando a trabalho. Evaristo ainda não tem a guarda compartilhada formalmente, pois está aguardando a primeira audiência do divórcio, mas ele e a mãe das meninas entraram em acordo e organizaram a rotina dessa forma. Lei da guarda compartilhada
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A lei 11.698, de 13 de junho de 2008, regulamentou a guarda compartilhada no Brasil. Ela já era atribuída antes da lei, mas de maneira muito tímida e só em caso de consenso entre os pais. Hoje a guarda compartilhada pode ser determinada pelo juiz mesmo que um ou os dois genitores não concordem e até em caso de divórcio em litígio. A lei inclusive diz que “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”. Mas, segundo a advogada Sandra Vilela, muitos juízes ainda não concedem a guarda compartilhada em caso de desacordo entre o casal ou litígio. Esse ponto suscita um grande debate no mundo jurídico.
Na opinião da psicanalista Eliana Riberti Nazareth, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, é preciso observar se os pais conseguem separar os conflitos de sua vida conjugal do exercício da parentalidade. “Para que a guarda compartilhada seja bem- sucedida, diálogo e acordos mínimos são necessários”, diz Nazareth. Se os pais não se entendem a respeito de nada, ela acredita que a guarda compartilhada não deve ser atribuída, pois seria como dividir a criança em duas. “Por isso é importante que a atribuição seja acompanhada de um estudo psicológico”, completa a psicanalista.
Regras de convivência
Em caso de consenso, as regras de convivência da guarda compartilhada podem ser estabelecidas pelos próprios pais e levadas para o juiz homologar, dando validade jurídica. Se há discordâncias sobre a guarda, o juiz conta com a ajuda de psicólogos e assistentes sociais para analisar o caso e, se atribuir a guarda compartilhada, estabelece as regras levando em conta a rotina da família e o bem-estar da criança.
Quanto à pensão alimentícia, a advogada Sandra Vilela explica que não há diferenças em relação à guarda unilateral, o sustento do filho deve ser proporcional à renda de cada um dos pais. O que às vezes fica acordado é o pagamento de algumas despesas diretamente, por exemplo, a escola ou o plano de saúde, em vez de apenas um genitor administrar as finanças.
Reflexo de transformações na sociedade
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De acordo com as estatísticas do registro civil de 2009 divulgadas pelo IBGE, a guarda materna dos filhos continua sendo majoritária (87,6% em 2009), mas os divórcios com guarda compartilhada aumentaram de 2,7% em 2004 para 4,7% em 2009.
Não é possível saber o quanto essa porcentagem mudou de 2009 para cá, pois as estatísticas de 2010 ainda não foram divulgadas, mas a advogada Sandra Vilela acredita que a quantidade de ex-casais que compartilham a guarda dos filhos vem crescendo bastante. E, na prática, os números são mais altos do que nas estatísticas, pois em muitos casos a guarda é unilateral, mas os pais se comportam como se fosse compartilhada, com flexibilidade no tempo de convívio e tomada de decisões importantes em conjunto. Esses dados do IBGE também não incluem as dissoluções de união estável nem as medidas cautelares que resultaram em guarda compartilhada.
Mudanças socioeconômicas e culturais
Além da regulamentação em lei, o que explica o aumento da guarda compartilhada são as mudanças de papel do homem e da mulher na sociedade e na família.
Para a psicanalista Eliana Nazareth, é importante entendermos o contexto em que a aprovação da lei 11.698/08 está inserida. Há muitas diferenças entre a família de hoje e a de 50 anos atrás. A mulher conquistou o mercado de trabalho e o homem participa mais da criação dos filhos, ou seja ambos estão voltados para dentro e para fora da família, dando suporte afetivo e financeiro de forma equivalente.
“Vendo a família dessa maneira podemos compreender melhor a necessidade de preservar o convívio entre o filho e os dois genitores”, diz Nazareth. A advogada Sandra Vilela menciona que, se o homem participa da criação e da educação do filho quando está vivendo com a mãe da criança, não faz sentido que ele passe a ser um visitante porque ele e a mãe se separaram.
Mas além de preservar o convívio entre pai e filho, a guarda compartilhada é uma conquista das mulheres. O primeiro tratado que aborda a igualdade parental é a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, aprovada pelas Nações Unidas em 1979. “A guarda compartilhada é reflexo dos movimentos feministas”, afirma Sandra Vilela.
Para a mãe, significa dividir as responsabilidades e os cuidados com o filho e ter
mais tempo disponível e tranquilidade para seu desenvolvimento profissional, acadêmico e pessoal. “Não me imagino sozinha com todas as responsabilidades. Além disso, assim tenho tempo para mim, para fazer meus programas, sair com os amigos, ir ao salão, namorar. Não é egoísmo, as mães também têm direito de viver”, comenta Viviane Resende.
A consultora de marketing diz que a guarda compartilhada também é importante para sua carreira, pois ela trabalha muito com eventos e conta com ajuda do ex-marido quando não pode estar com o filho. Guarda compartilhada e o bem-estar da criança
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E qual a importância para a criança de ter o pai e a mãe presentes no cotidiano? A psicanalista Eliana Nazareth explica que cada um dos genitores tem suas atribuições, funções e modelos de identificação, por isso é ideal que ambos participem do desenvolvimento da criança e do adolescente, a não ser em casos contraindicados, em que os pais representem ameaça à segurança dos filhos.
Os pais são as principais referências das crianças e adolescentes, dão a eles suporte afetivo e emocional e norteiam sua formação. É difícil imaginar que encontros a cada 15 dias possam suprir essas necessidades.
“Dormir, acordar, dar café da manhã, preparar para a escola, almoçar junto, levar e buscar na escola, acompanhar nas tarefas escolares, brincar, brigar quando necessário, jantar, contar uma história antes de dormir são as coisas que me fazem o pai que eu sempre quis ser”, afirma o industriário Peterson Gomes, que obteve a guarda provisória do filho de quatro anos. “Participar ou não dessa rotina é o que determina se existe um convívio ou um simples contato entre pai e filho”, acredita Gomes.
O fotógrafo Evaristo Sá destaca que, além do prazer que a convivência com as filhas proporciona para os três, é uma obrigação estar ao lado das meninas, apoiando-as, dando o suporte que elas precisam para se desenvolverem e participando de sua educação. “Senão, por que a gente coloca os filhos no mundo?”, questiona.
Rotina em duas casas
Quando a criança passa uma parte da semana em cada casa, o ideal é que siga uma rotina semelhante, especialmente nos dias de aula. Para isso, o diálogo entre os pais ajuda bastante. “Acho importante que, em prol da boa educação do filho, ambos conversem sobre o dia a dia em cada lar. Mas sempre vai haver alguma diferença entre o que se pode ou não fazer em cada casa”, comenta Peterson Gomes.
Segundo a psicanalista Eliana Nazareth, não é difícil estabelecer uma rotina que preserve pontos essenciais nas duas casas, basta pensar nas necessidades da criança para se desenvolver bem, por exemplo, que ela precisa de muitas horas de sono e de uma alimentação saudável. “O princípio norteador dos pais deve ser o bem-estar da criança”, conclui.