fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/52323-motivos.shtml
Me dê motivo
Ninguém mais precisa dar explicação para pedir o divórcio, cuja lei completa 35 anos. Mas não é bom saber o que faz uma união acabar?
JULIANA CUNHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Por que um casal se separa? Porque pode, diz a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Antes da lei do divórcio, que completa 35 anos, também podia, mas era difícil.
Nas últimas décadas, quase tudo mudou na dinâmica do casamento. Já as razões pelas quais ele acaba são as mesmas, segundo advogados especializados em divórcio ouvidos pela reportagem.
Os motivos campeões são, não necessariamente nesta ordem: traição, ciúme, dinheiro e até a tanto genérica quanto válida “incompatibilidade de gênios”.
São as razões de sempre, mas atualizadas. Veja a questão da traição, por exemplo.
“Quase todos os adultérios que chegam ao meu escritório foram comprovados por e-mail ou mensagem de texto”, afirma Priscila Corrêa da Fonseca, professora da USP apelidada de “Priscila, a rainha do divórcio” pelos alunos de direito.
“O traído descobre a senha, muitas vezes contratando hackers, e depois diz que viu no computador compartilhado pela família”, diz ela.
No Brasil, não há dados sobre as separações motivadas por contatos virtuais, uma vez que, desde 2002, os processos deixaram de conter o motivo do rompimento.
REDE SOCIAL
No Reino Unido, um levantamento com base em 5.000 petições de divórcio, feito por uma empresa, constatou que a palavra “Facebook” aparecia em 33% dos processos movidos em 2011 por “conduta inapropriada” do parceiro.
Para Fonseca, a internet inflacionou o número de traições e diversificou as modalidades: “Adultério antigamente dava o maior trabalho. Era só o telefone fixo no meio da sala de casa. Hoje tem celular e gente conversando com o amante no chat enquanto o parceiro oficial está bem ao lado”.
Foi pelo celular que o engenheiro Felipe Brito, 32, descobriu que a mulher conversava com um colega de trabalho que ela dizia mal conhecer: “O telefone tinha senha, mas só bloqueava depois de cinco minutos sem uso. Eu estava desconfiado de tanto apego ao aparelho, aproveitei uma ida dela ao banheiro para confirmar o que já sabia”. Apesar da mágoa, o divórcio foi consensual.
Para o advogado Celso Cintra Mori, a possibilidade de manter conversas privadas de forma discreta e o contato constante com pessoas do passado em redes sociais fez gente sem o “perfil do pulador de cerca” se aventurar.
“A internet ainda é um limbo confuso e as pessoas criam maneiras psicologicamente aceitáveis para justificar seus comportamentos na rede. Ao deitar no travesseiro, todo mundo sabe o que é uma traição e ela certamente inclui conversas dúbias por e-mail.”
FALTA DE AMOR
Antes da lei do divórcio, de 1977, o caminho para quem estava insatisfeito era o desquite, que envolvia constrangimento social e impedia a formalização de outra união.
A situação atual permite oficializar divórcios consensuais no mesmo dia, é quase como casar em Las Vegas.
Por “falta de amor e respeito dentro de casa”, a farmacêutica Eugênia Soares, 62, decidiu se separar, aos 22. “Quem se separava na época era tido como leproso. Precisei mudar de bairro para conseguir namorado e comigo foi leve, por não ter filhos.”
Foi só em 1977 que ela conseguiu oficializar o segundo casamento, feito cinco anos depois do desquite: “Sou casada há 36 anos, mas diziam que éramos ‘amigados'”.
CRIAÇÃO DOS FILHOS
Dez entre dez advogados citam divergências sobre como educar os filhos entre as razões mais comuns para um casal se divorciar.
Esse motivo, por sinal, talvez explique o recém-anunciado fim da união entre Tom Cruise e Katie Holmes.Ela seria contra a iniciação da filha Suri, 6, na Cientologia, religião seguida pelo ator.
“A hora de escolher a primeira escola dos filhos é sempre um momento de provação para o casal. É quando muitos percebem incompatibilidade de expectativas”, diz a psiquiatra Carmita Abdo.
Esse é o momento em que divergências aparentemente pequenas mostram seu verdadeiro tamanho: “Se um quer colocar a criança em uma escola liberal e o outro em uma escola religiosa, já dá para ver que esse casal terá um grande desafio para se entender em vários outros aspectos da criação”.
O advogado Luiz Kignel dava uma palestra sobre direito de família quando um casal grávido de cinco meses perguntou se era cedo demais para discutir a educação da criança. “Vocês estão seis meses atrasados”, respondeu ele. É que, em seu escritório, disputas envolvendo a criação dos filhos têm se tornado constantes.
“Casamento hoje não é para a vida toda, mas filho ainda é; as pessoas deixam para discutir essas coisas quando o problema já está instaurado”, afirma ele.
Para Kignel, quem tem opiniões muito firmes sobre educação deve ser mais seletivo na escolha do parceiro.
MOTIVOS
TRAIÇÃO
Redes sociais e mensagens de celular ampliaram a prática. “Está mais fácil de abordar um possível caso de maneira discreta”, diz Celso Mori. Apesar da tecnologia, o ambiente de trabalho continua sendo o grande palco de traições
DINHEIRO
Demissão, excesso de gastos e mentiras sobre a situação financeira geram atritos a partir do segundo ano de relacionamento. “As pessoas se separam por dinheiro e, no divórcio, continuam brigando por ele”, diz Priscila Fonseca
EDUCAÇÃO DOS FILHOS
Discordâncias na escolha da escola e no nível de liberdade que os filhos devem ter abalam a relação. Até quem costuma ser flexível tem dificuldade em fazer concessões quando se trata da criação dos filhos, segundo Luiz Kignel
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
“Os homens ainda têm muita dificuldade em aceitar que a situação da mulher mudou. Pressões psicológicas e físicas para que a mulher volte a ser submissa são mais comuns do que se pensa”, diz Maria Berenice Dias
O PARCEIRO NÃO EVOLUI
Impressão de que o parceiro parou no tempo. “É um ponto engraçado, porque muitas vezes os dois reclamam da mesma coisa sem perceber que talvez cada um tenha evoluído para um lado”, afirma Sandra Vilela
‘RECICLAGEM’
O homem é o que mais pede o divórcio por ter outra pessoa em vista. Segundo Nelson Sussumu, às vezes essa outra pessoa nem é tão importante, mas funciona como uma justificativa para o rompimento
FAMÍLIA CHATA
E, o pior, presente. Aqueles eternos almoços de domingo acabam cobrando um preço. “É difícil comprar o pacote completo da outra pessoa e algumas famílias realmente fazem de tudo para desagradar”, diz Rodrigo Pereira
RELIGIÃO
“Quando um dos lados se torna muito mais religioso do que era antes do casamento acontece um estranhamento, sobretudo quando os dois são de religiões diferentes”, afirma Daniela Fonseca
CONVIVÊNCIA
A famosa “incompatibilidade de gênios” pesa quando a paixão esfria. “É um motivo comum, mas costuma esconder algo maior, que é um esvaziamento da relação”, opina Ricardo Zamariola
CIÚME EXCESSIVO
“O ciúme exagerado vai minando a paciência do objeto e a autoestima do ciumento”, diz Álvaro Villaça Azevedo
Fontes: Nelson Sussumu (Comissão de Direito de Família da OAB/SP); Rodrigo da Cunha Pereira (IBDFAM); Maria Berenice Dias(IBDFAM); Priscila Corrêa da Fonseca (professora de Direito da USP); Celso Cintra Mori; Luiz Kignel; Daniela Assaf da Fonseca; Sandra Vilela; Ricardo Zamariola Junior e Álvaro Villaça Azevedo (professor de direito da USP)